terça-feira, 28 de julho de 2009

Abrindo Meu Diário III - reflexões para Desromance

Vou tentar entender.
Quando as mulheres ergueram a bandeira do feminismo, queimaram sutiãs (para mais tarde voltar a usá-los, em versões incrivelmente mais sofisticadas e sufocantes), e se lançaram no mercado de trabalho, creio que estavam à procura de respeito. Não estou me referindo àquelas que, muito antes, tiveram que trabalhar para ajudar no orçamento doméstico, ou para sobreviver. Falo das feministas mesmo. Em algum momento – clic! – haviam percebido que não eram respeitadas. Ou, talvez, por toda a história da humanidade, elas soubessem que não eram respeitadas, mas não tinham força para lutar contra isso. Bem, então, em algum momento elas perceberam que podiam, de alguma forma, reagir. No modelo vigente, o homem era respeitado porque era o “provedor”. Engraçado que sempre achei que devíamos ser respeitados por sermos seres humanos, mas... Bem, o homem saía para o mundo para ganhar dinheiro e pagar as contas da família, e isso lhe dava o direito de mandar na mulher, que ficava em casa cuidando dos filhos, da alimentação, da limpeza, enfim: fornecendo subsídios para que o homem pudesse sair sossegado para trabalhar e, ao voltar, gozasse de um total bem-estar. (Ela não teria direito a 50% do salário dele?)
Peraí... de que época estou falando? Da pré-história, da Idade Média, do século XVIII, XIX, XX, XXI ou exatamente de hoje? Ai ai ai ai ai...
Bem, de qualquer forma, estou montando esse raciocínio sem grande embasamento científico, portanto, tanto faz.
Voltando ao assunto: elas chegaram à conclusão de que para merecer respeito, precisavam ter seu próprio dinheiro. E para ter dinheiro, precisavam trabalhar, igualzinho aos homens! Aquele trabalho todo que faziam em casa já passou para segundo plano, porque, sabe como é, não era remunerado. Invertendo o raciocínio, fica assim: se não era remunerado, não era importante! (Num mundo em que Deus é o dinheiro isso é natural).
Não sei como é que foi, mas acreditaram piamente nisso e passaram a fazer apologia dessa estranha idéia!
Agora, eu me pergunto: se o trabalho não era importante porque não era remunerado, por que não exigir uma remuneração por ele? Quanto maior a remuneração, mais importante seria!:) E uma greve no setor doméstico com certeza causaria verdadeira comoção!
Mas, deixando de me perder em elucubrações, as mulheres, que a princípio, deveriam ser respeitadas simplesmente por serem seres humanos, se acharam na obrigação de conquistar o mercado de trabalho para obter esse direito. E essa jornada começou a levá-las por um caminho que, pra dizer a verdade, não sei onde vai dar. Estou cansada de me deparar com mulheres exaustas que deixam filhos nas mãos de qualquer um (não adianta tentar me convencer de que são profissionais, porque eu já soube de muita coisa triste) para trabalhar o dia todo nas mesmas funções que os homens, apenas ganhando menos. E, ao chegar em casa, à noite, depois de atravessarem a cidade num trânsito horroroso, onde se defrontam com inúmeros dedos do meio e xingamentos machistas, encontram todas as tarefas caseiras esperando por elas, para que as realizem. E, mais tarde, quando talvez ainda sejam procuradas por seus maridos para dar uma transadinha, estão totalmente sem forças, sem ânimo e sem vontade. O que, com o passar do tempo, vai aumentando as chances de se tornarem cornas. Sim, porque os homens, com certeza, estão sempre mais descansados e, quando insatisfeitos, devido à liberdade intrínseca a essa espécie, têm muito menos dor na consciência se praticam o adultério. Que, na linguagem deles, seria só “uma escapadinha”.
Quando resolveram sair para trabalhar “fora”, as mulheres esqueceram de treinar os homens para trabalhar “dentro”! Aliás, também esqueceram de lhes perguntar se eles queriam isso! E é claro que a maioria deles está se fazendo de desentendida até hoje.
Por que ter que se igualar a seres tão estruturalmente diferentes, se a riqueza está justamente na diferença? Onde é que erramos, para que o convívio entre homens e mulheres se tornasse essa luta diária por direitos iguais, quando, na verdade, poderia ser uma agradável convivência em que se ajudassem mutuamente, cada um atuando na área sobre a qual tivesse maior domínio, tornando, assim, sua vida e a vida do outro mais agradável, seu fardo mais leve?
E o mais triste: depois de tanta luta, já estamos chegando à conclusão de que respeito não está atrelado à independência financeira, não. Independência financeira pode trazer maior liberdade, mas não necessariamente respeito. Impor respeito parece ser algo intrínseco da pessoa. Há seres humanos que impõem respeito, e há outros que simplesmente não conseguem. E vou mais longe: em relação à liberdade é a mesma coisa: há pessoas que se sentem livres e há pessoas que jamais se sentirão, mesmo que paguem todas as contas!
O fato é que estou triste com essa situação, porque vejo que as mulheres estão se distanciando cada vez mais da sua essência, estou no meio disso sentindo toda a pressão contrária, mas sei, intuitivamente, que seria imensamente feliz se simplesmente assumisse a mulher de verdade, absurdamente rica, que existe dentro de mim, e conseguisse relaxar. Ao menos de vez em quando...

(2007)

Beeeijos!!!

Analú :)

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Poesia - Olhares (Alento)














Eu quero que todos os seus olhares
recaiam sobre meus seios impúberes
enquanto conversa comigo nesse tom tão familiar
sobre trabalho, desemprego, crianças, feriados.
Eu quero que o vinho me suba à cabeça,
me desça aos pés,
me leve pra longe,
me faça gargalhar...
Me toque de leve, me esbarre, se esfregue,
sem que ninguém perceba.
Não... Não deixe ninguém notar.
Eu quero que a noite não passe,
que o sono não venha, eu quero gozar...
Amanhã você me liga e a gente não troca uma só palavra.
Nem eu mesma acredito que aconteceu,
ou que possa acontecer de novo...
Não vamos estragar tudo...
Seus olhos em mim, seus olhos em mim,
seus dedos tão leves,
nosso apetite voraz...
Domingo ainda amanheço embriagada.
Segunda tenho que engrenar.
Mas a sensação fica.
Seus olhos em mim,
meus seios meninos,
a pele a roçar.
Crianças chorando,
me pego corando,
já sem respirar.
Me toque de leve, me beije, me pegue,
me faça tremer.
A vida é tão dura...
No meio da dor
me deixe viver...


Ana Lucia Sorrentino, em Alento

sábado, 11 de julho de 2009

Um conto, pra variar: É Sol (primeiro dia do Rafael na escola)

Almoçamos, escovamos os dentes e abri a gaveta. A primeira gaveta do lado direito. É a gaveta do Rafael. Tiro dela um pequeno uniforme. Short vermelho, camiseta e meias brancas. Abro a porta do guarda-roupa e pego o "conguinha".
Rafael espera, meio tenso.
Coloco a roupa nele. Elogio. Elogio muito. Exagero, pra ser sincera. Ele está lindo. Orgulhoso de seu uniforme. Eu me desmancho. Deito-o sobre a cama e beijo, beijo, beijo... Nunca vi uma criança gostar de amasso como esse menino. Ele deixa, deixa, deixa... Meu coração está grande.
Chamo o elevador, toco a campainha da Marilda.
- Ele vai pra escola - exibo-o, mão na mão dele. Ela faz festa, beija, abraça. Um verdadeiro escândalo.
Vamos embora.
Estaciono perto do portão de entrada. A escola fica numa praça, o Largo do Bom Parto. Nos bancos, sentados, brincando, correndo, mil "Rafaelzinhos", de vermelho e branco. Uma parte das crianças já conhece a escola. Pra outra parte, tudo é novidade. Expectativa.
São três e quinze, e ainda temos cinco minutos. Dá tempo de procurar no rosto dos outros um tiquinho de angústia. Dá tempo de apertar a mãozinha dele, tentando passar segurança.
O portão abre, e as mães não podem entrar. Dou um beijo comprido, peço outro, não quero que ele me sinta insegura. Ele entra, acompanhando a turma. A escola é pequena, há uma só sala. Não tem como se perder. Mas ele vacila. Nem sabe pra onde ir. Nem sabe o que esperar... Chora e corre na minha direção. Tio Joaquim o resgata e o leva pra sala. Parece que parou de chorar. Não custa esperar um pouco. As mães vão indo embora, o portão se fecha e tudo está calmo. Silêncio. Não procuro mais o choro dele, porque tenho fé. Vou indo embora. As pernas pesadas, o peito apertado. O carro parece tão longe... Engato a primeira e saio. Vem um vento fresco pela janela. Terei duas horas. Uma sensação de liberdade me possui. Duas horas só pra mim. Estou precisando. Não sei pra quê, não sei o que fazer, mas sei que tenho duas horas pra mim. Duas horas comigo mesma. Há quanto tempo não tenho isso! Vou pra casa. Olho em volta. Há mil coisas por fazer, mas não quero. Ligo o rádio, pra espantar o silêncio. Vou ao banheiro, pego uma revista. Folheio. Tudo igual. Posso telefonar pra quem quiser, dá pra bater um bom papo. Nada disso. Já são quase quatro, logo serão cinco... Talvez chova, e eu não tenho guarda-chuva. Devia comprar um. Esse outono promete chuva. Choveu tanto durante o verão...
Deito no sofá, relaxo, respiro. Rafael tá lá, no meio de um monte de crianças que não conhece. Foi preciso pendurar nele um crachá, com seu nome, pra que o pessoal da escola o identificasse.
Fecho os olhos. Deixo o silêncio entrar em mim. Um zumbido só.
Minha cabeça tá aqui, tentando descansar, mas meu coração está no Largo do Bom Parto. É sempre assim... Cabeça e coração nunca andam juntos...
Tenho medo de adormecer, perder a hora. Levanto, num salto. Já é tarde.
O asfalto está úmido. Cai uma garoa fina, que molha mais que chuva de verdade. O tempo fechou de vez. Tá tudo cinza. Pego o caminho mais longo, só pra fazer hora. Chego cinco minutos antes. Os pais e mães já estão todos lá, do lado de fora do portão vermelho. Todos, todos ansiosos e preocupados. O portão se abre e eu entro, empurrada. Rapidamente se forma uma fila. Fico no meio, esperando a minha vez. Olho pelo vidro da porta, avisto-o lá dentro, sentadinho, quieto. Reconheço-o pela cabeça. Tão redondinha, tão perfeita... Ele estica o olhar pra fora e me vê. Seu rosto se ilumina, num sorriso lindo. Está feliz.
A tia me pergunta o nome, e eu digo "Rafael". Ele levanta, disciplinado, e vem ao meu encontro. Um beijo, um abraço. Dou a mão pra ele e saímos, na garoa.
Pra mim é sol de novo.

Este conto faz parte da coletânea Acasos - 2007

Beeeijos!

Analú :)